Friday, June 23, 2006

Memórias do Campus.


Outro dia, resolvi cortar caminho e pulei o muro, indo em direção ao módulo sete e, dessa vez, não precisei passar pelo estreito portão que separa o Abominável Mundo do Feira VI do Reino Encantado da UEFS.
Após ter me esbarrado em tiriricas, juremas e num pé de cansanção, me arrependi amargamente de ter deixado de fazer o caminho tradicional e ter evitado passar pelo referido portão de estanho.
Depois de praguejar muito e ter soltado belas palavras como caralho, bosta, cabrunco e outras, consegui chegar ao módulo sete e fui à sala de Alice. Nós tínhamos brigado e eu precisava urgentemente da paz e de um beijo delicioso.
Nem sinal de Alice, muito menos de paz e beijos.Ela não estava lá. Nesses instantes a mente ciumenta é capaz das mais horrendas especulações. Deixei as tenebrosas suposições de lado e fui assistir a uma aula de Sociologia na qual a professora falava de Marx e do Materialismo Histórico. Eu não estava nem um pouco a fim de discutir a respeito de mais-valia, alienação do trabalhador e essas coisas que você jamais vai conseguir pensar quando todos os seus pensamentos estão voltados pra ela.
Sai rapidamente da aula e fui em busca da minha paz, do meu beijo e de dois reais que só ela iria me dar pro café da manhã que, com certeza, seria misto com suco de frutas.
Quando caminhava pelo corredor central do módulo sete, tive a infelicidade de encontrar um daquelas caras de Letras que mal sabem falar o português, mas que estudam grego e utilizam um vocabulário rebuscado nas horas mais desinteressadas do seu cotidiano.
_Por onde andavas meu caro e ilustre poeta? Como vai a literatura russa?-ele sempre me perguntava isso devido ao meu fascínio por Dostoievski e sempre se dirigia a mim utilizando a segunda pessoa do singular - Gostarias de ir hoje á noite ao lançamento do meu livro de poesias no museu de arte contemporânea?
_ Estarei lá sem falta.
Eu jamais iria a este lançamento.Como um cara incapaz de escrever uma única linha interessante conseguiu achar um idiota que quisesse
publicar aquelas coisas em forma de versos que ele insiste em chamar de poesias?
Depois deste encontro me animei a voltar a escrever. Se um idiota totalmente desprovido de talento conseguiu, eu também teria chances.
Esqueci as ambições literárias e fui em busca do beijo, do sanduíche e do suco de frutas.
Entre o módulo cinco e o módulo quatro pude avista-la a minha direita embaixo de uma arvore com um livro aberto no colo e um cigarro nos lábios.
_E ai Alice, como é que ta?
_Tenho um lance sério pra falar com você – ela falava com a expressão mais séria que já pude ver em seus olhos – Depois que li aquele seu conto tive uma espécie de repúdio em relação a você.
_Meu amor quando eu escrevi aquilo eu ainda não estava com você e muito daquelas peripécias eróticas não são verdadeiras, eu só utilizei pra incrementar o texto.
_Quando li aquilo, me deu um ódio desgraçado. Você seria capaz de escrever daquela maneira sobre nós?
_Claro que não, eu te amo – eu dizia a célebre frase com a maior sinceridade e com toda a franqueza, mas franqueza e sinceridade no momento não adiantaram muito e o que ela me disse depois do eu te amo me deixou perplexo.
_Pena que eu não sinta mais o mesmo por você – ela terminou de falar, deu uma tragada e saiu andando sem olhar para trás.
Lembrei de Cláudio, um amigo de história que está sempre dizendo que quando as coisas estão indo bem, é sinal de que algo ruim está para acontecer.E estava tudo indo muito bem antes que ela achasse o conto.Tudo estava perfeito, o vinho, a noite de amor, as baladas dos Stones de fundo, o THC de qualidade, mas quando ela abriu a gaveta de baixo da cômoda com o pretexto de arrumar a bagunça, encontrou a porcaria do conto que era apenas uma narrativa erótica de uma cena de sexo entre a minha pessoa e uma garota de Vernáculas num dos sanitários da Universidade. A linguagem era bem suja e era horrível para ser lido por uma mulher apaixonada.O conto foi escrito na época em que estava lendo Women de Charles Bukowski e fui tentado a escrever sobre o episódio.
_Eu não namorava você quando escrevi isso – eu falava e tentava abraça-la pra ver se ela entendia que não tinha nada a ver, que era coisa do passado e essas baboseiras tão comuns em romances e telenovelas.
_Saia de minha frente – eu sorria e tentava acalma-la mais não deu certo, ela arrancou o aparelho de som da tomada, colocou acima da cabeça e disse que se eu não saísse da frente ela iria jogar em mim – Filha da puta, deixe eu sair daqui seu merda.
_Você não é doida de jogar – eu mal terminei de falar e tive que me abaixar pra que o som não estraçalhasse o meu crânio e o aparelho espatifou na parede e eu só pensava no CD dos Stones que estava tocando.Nesse momento tive vontade de esgana-la, mas me contentei em pega-la pelo braço e coloca-la na rua.
_Sua maluca, eu quero um som novo.
_Vá pedir a sua protagonista.
Com uma mulher dessas a minha carreira de escritor de contos eróticos foi por água abaixo e até os originais do meu primeiro e último conto erótico ela destruiu já que a primeira coisa que fez ao terminar de ler foi rasga-lo.
Às vezes é bom pensar um pouco diferente do meu amigo Cláudio. Depois de uma coisa ruim o sol sempre irá brilhar e eu me conformei com a idéia de que só uma mulher que ama demais é capaz de semelhante crise de histeria.O ciúme não é doença, é a mais pura e bela expressão do amor e quem comete crime passional é capaz de confirmar o que irei afirmar: o amor é proporcional a violência utilizada numa crise de ciúmes. Eu precisava acreditar nisso a qualquer custo.
Quando Alice me disse que não me amava mais, a primeira vontade que tive foi de ir ao seu encontro, mas eu não fui por orgulho e devido aquele velho ditado machista que diz: “mulher é assim, quanto mais você pisa, mais ela gruda”. Quando as mulheres estão literalmente à beira de um ataque de nervos, a melhor coisa a fazer é deixa-las sozinha para que se acalmem e reflitam a respeito da inóspita condição de mulher solteira. Se você der um tempo sem procurar, ela termina voltando.
A eterna insatisfação humana. Quando está ali, todos os dias, bem perto da gente, nunca conseguimos estar completamente saciados.Nem Ulysses se satisfez completamente no momento em que estava numa ilha sendo agraciado por uma Deusa e suas serviçais. Nós somos como Ulysses, em busca de uma Penélope, de uma felicidade de outrora, e de tudo aquilo que conseguimos perder. Como dói a morte de um amor ou de uma pessoa querida; a dolorosa consciência de que aquilo que sempre esteve diante de ti, não estará mais lá. No capitulo três de NEXUS, onde Henry Miller faz uma belíssima explanação sobre o amor, o grande escritor americano diz: “Eu teria aceitado mais facilmente a morte dela”. Imagine só, será que os homens e mulheres que chegaram a matar por amor, também não sofreram com a ausência de um mundo que lhes foi inexplicavelmente tirado?.
Eu nunca seria capaz de mata-la. Se Deus existir, eu teria uma vaga no inferno, além de que eu não tenho a mínima coragem de estourar os miolos após o crime pra escapar dos trinta anos de cadeia e ir direto ao inferno, se inferno houver. Se não tenho coragem para mata-la, pode ser que não a ame o bastante. Melhor pra ela, nada em excesso é bom, inclusive o amor.
Dando uma folheada em Carnaval, de Manuel Bandeira, podemos encontrar a poesia denominada do que dissestes, em que o lirismo do autor chega a perfeição e, se uma mulher não consegue se sensibilizar com aqueles versos é que esta mulher não merece ser amada.Vou envia-la do que dissestes e não vou procura-la, estou me desesperando sem motivo, ela vai voltar.
Três dias depois ela foi a minha casa e quando eu apareci no portão foi logo dizendo:
-Tô sem calcinha, posso entrar?
Diante do cumprimento da saia, da delícia das suas pernas e daquele olhar libidinoso, fui obrigado a deixar o meu orgulho de lado.
Ajoelhei-me aos seus pés e todo o resto dissipou-se diante do horizonte onde eu podia observar, beijar e me afogar.

4 Comments:

Blogger Jorge Ferreira said...

esse conto 'e o meu preferido...quero ver as coisas novas...sei que voce anda produzindo...vamo la!

10:04 PM  
Blogger Miguel do Rosário said...

fala tom raiva, já coloquei o link no meu blog. mais tarde, a gente faz uma divulgação mais intensa. to preparando uma edição virtual nova do AP, você será convidado de honra!

10:37 PM  
Blogger Miguel do Rosário said...

e o jorge, também, é claro!

10:37 PM  
Blogger Antonio Diamantino Neto said...

Valeu seu Jorge e seu Miguel!

10:30 AM  

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